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Comissão Pastoral da Terra: A luta que começou em Campo Alegre de Lourdes





Última atualização 11/07/2017, às 16:25

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Fonte: Ruben Siqueira

A mulher de Zé Onias

1982, fazia um ano que tinha chegado a Campo Alegre de Lourdes, norte da Bahia, quase Piauí, para uma experiência pastoral na Diocese de Juazeiro. Não demorou e nossa Pastoral era também e principalmente da Terra. Estávamos na campanha que se fazia há 12 anos, em que jovens vindos do Sudeste, de Salvador, de outras paróquias vizinhas, passavam o mês de janeiro nas comunidades rurais, alfabetizando, educando e, mais que isso, sendo educados pelo povo sertanejo.
Coube a mim fazer a campanha na comunidade de Baixão dos Bois. Ela e mais outras sete, cerca de 400 famílias,  todas posseiras antigas, estavam sob ataque de um grileiro de terras. Era um povo que dava passos firmes na organização e na luta e estava decidido a se defender. A tática da grilagem, muito comum na região, era fazer uma picada, chamada “variante”, cercando toda a área pretendida, e exigir que quem estivesse dentro pagasse para ficar ou fosse embora ou seria expulso. As comunidades haviam combinado que o primeiro a ouvir o barulho das foices e machados na operação do “variante”, corresse a avisar as comunidades mais próximas e estas às outras mais distantes. Rapidamente todos acorriam ao local para empatar a operação. Já haviam feito isto mais de uma vez, e o grileiro retomava em outro ponto.
No meio da manhã, chega a notícia de que “variantavam” na comunidade de Barra. Corremos para lá. Em pouco tempo éramos cerca de 400 – “home, muié, minino e cachorro”, como se falava para dizer todos –, estávamos lá “tudim” na “empatação”. O confronto se deu na posse de Zé Onias, um homem grande, tranquilo, caladão. Já sua mulher, metade de sua estatura, era o oposto, esperta, briguenta, daquelas “que não levam desaforo prá casa”. Respaldada pela multidão de seu lado, com um facãozinho na mão, ela riscava em cruz o chão, passava-o rente ao rosto do filho do grileiro e de seus capangas armados e dizia e repetia gesto e palavra, apontando para a cerca de varas de sua roça de milho e mandioca ainda se formando, o feijão de corda já se dando a colher: “Por dentro de minha mãe, não! Por dentro de minha mãe, não!”.
A coragem da pequenina mulher – talvez aumentada pelo contraste com  o tamanho calado de seu marido –, e a verdade de sua fala contagiaram a todos os presentes, de um lado e do outro do conflito. O povo avançou e os grileiros recuaram para não mais retomarem a empreitada. O caso estava na Justiça e aí também o fazendeiro não ganharia.
Pelo menos duas coisas aprendi ali. Uma, que devia ficar na região para continuar este tipo de trabalho pastoral, para o qual tinha vindo de São Paulo como seminarista e estudante de teologia apenas para um ano já vencido de experiência. A outra o por que a Comissão Pastoral da Terra é feminina. Como a mulher de Zé Onias, cujo nome nem ficou na história…

CPT2
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Foto/Capa: Arquivo pessoal  de Ruben Siqueira
Com algumas pessoas dos Baixões, e o Bispo Dom José Rodrigues.




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